Saturday 5 April 2008

Sem críticas

Estava voltando à casa, numa típica tarde ensolarada de abril, espectador do panorama londrino a partir de um banco confortável no vagão do trem DLR – Docklands Light Railway. Talvez por vir do Brasil e com isso a imprecisão, talvez sendo realmente justo, vejo o sistema de transporte público britânico, o Transport for London, ou para os íntimos TFL, como impecável. Cachinho de uva, como diriam os românticos baratos. Se hoje o congestionamento impacienta qualquer cristão, isso se deve mais à população, União Européia e coisas afins que ao transporte em si. Seja metrô, ônibus ou trem. Ainda faz-me brilhar os olhos a manchete dos jornais diários de algum tempo átras, digamos um ano, sobre a namorada do príncipe William, a bela de cabelos cor de mel Kate Middleton. Diziam as manchetes, mais ou menos assim: “Ontem sendo recebida pela rainha, hoje fazendo compras e andando de transporte público.” Então, estampada como prova fatal vinha a foto da bela, dentro de um ônibus, olhando no vazio. Meu ego de cliente do TFL agradeceu.

Se andar de metrô, por vezes, se traduz em sufoco e impaciência, uma multidão de esteriótipos rodeando você, andar de DLR, pelo menos a rota que vai de Bank a King George V, a que pego, é prazer puro, uma deleite de quinze minutos pela Londres que eu adotei. O pequeno trem, essencialmente overground, traz-me de bandeja o centro financeiro de Londres, a City, do qual Canary Wharf é o coração, o rio Tâmisa e o charmoso pier próximo a estação de Limehouse, desfilando incontáveis iates e barcos.

Voltando, pois, à casa, vinha ruminando o que havia dito a Fabiano Holanda numa das nossas discussões homéricas. Não só esse, também João Costa e um enigmático Guilherme Vieira participavam. Outrora, nos tempos da Confraria Best-Seller, tais querelas eram common place, prato nosso de cada dia. Um assunto, um comentário a um artigo, uma simples opinião, ou seja, um pretexto e estava criado o campo de batalha: dois gladiadores e a arena virtual. No entanto, tirando os excessos normais e a teimosia das partes, as discussões eram intelectualmente estimulantes, creio, e traziam benefício não só aos ativos como aos passivos – ou por outra, os que tinham coragem para ler infindáveis e-mails. Passou a CBS, ficaram seus integrantes com o mesmo espírito estimulante.

Enviei um texto de Janer Cristaldo para comentários. De Janer não tenho nada a falar neste momento; apenas adiciono que, como de praxe, ouso dizer, o ponto de vista do habilidoso escriba era enviesado. Do meu imaginário, poderia ouvir o experiente ex-parisiense retortar: Estamos no campo das percepções, meu caro, portanto nada mais fiel quanto nossas divergentes opiniões. Passando…

Os quase cinco anos de Londres me trouxeram muito, acho. (Não sei se é só comigo, e dito isso já emendo: tenho uma dificuldade tremenda de avaliação quando estou em pleno andar da carruagem, na agitação do mar. Tudo torna-se muito confuso.) Londres é proficiente em construir e destruir sonhos, e talvez seja essa a sua característica mais marcante, para os que aqui passam várias primaveras. E foi aqui, terra de tantos famosos e loucos, onde construi/fortaleci convicções e preconceitos; e aqui também aprendi a cultivá-las em silêncio, esse só quebrado com alguns poucos “privilegiados”. Diria João Costa, seu mote desde os tempos do Mídia sem Máscara: “Não darei pérolas aos porcos!”. Nao é isso, não. Pelo menos para mim. Jõao tem o patrimônio das pérolas; eu, nem elas tenho. Apenas cansei. No erro ou no acerto, cansei do confronto indiferenciado. Aqui ou quando vou de férias a Natal, minha querida Natal, ouço absurdos que me dão calafrios, coisas que ruborizariam um perfeito cínico; um Jacques Chirac, digamos. Quem, todavia, receberia uma contra-argumentacao deste aqui pretencioso, hoje recebe um sorriso seguido de silêncio, e logo uma desconversa, se possivel for. Essa foi a melhor forma que encontrei, pelo menos até aqui, de conviver comigo mesmo. Outrora, dava alguma importancia ao mundo e o ambiente que me rodeava. Brigava, discutia, mexia e remexia, uma excitação só. Chegou o fim, portanto não tenho o menor interesse, pelo menos em público, no que vai de errado com o mundo e a visão das pessoas, onde essas erram. Que assim seja! Que a televisão impere e desinforme a todos; que cada um se sinta um deus grego. Pois, acima da crítica a terceiros está o silêncio para comigo mesmo.

Enfim, não tenho inclinação para Olavo de Carvalho. Fico com Peter Drucker.


Londres, 03 de abril de 2008.

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